21-11-2017

“Juntos valemos mais que individualmente” - Manuel Gonçalves

Aos 44 anos, Manuel Gonçalves teve já um trajeto muito enriquecedor. Começou no BCP, onde esteve sete anos. Seguiu-se dois anos em Nova Iorque em Wall Street, por altura dos atentados do 11 de Setembro, e ingressou em 2004 na TMG, onde aprendeu a sobreviver no meio da tempestade. E, bem... pelos vistos.

 

O Cluster Têxtil foi o que teve a maior taxa de aprovação dos projetos que apresentou no âmbito do Portugal 2020 – afirma Manuel Gonçalves, membro do Grupo de Alto Nível do cluster e administrador do grupo TMG.

O cluster têxtil – no sentido da larga maioria de empresas do setor geograficamente próximas – já existe há muitos anos…

É um cluster natural. A nossa indústria têxtil e de vestuário (ITV) vive e convive bem com a coexistência num espaço físico relativamente pequeno de um elevado número de empresas. E a existência do cluster é um fantástico fator de competitividade.


Por si só?

Durante os anos da crise, a primeira década do século XXI, quando demasiadas empresas desapareceram, o meu maior receio foi que perdêssemos a massa crítica indispensável para atrair as marcas para virem cá fazer as suas coleções/produções.


Receio que não se confirmou…

Felizmente, a ITV conseguiu manter, concentrada num raio de 50 a 60 quilómetros, a oferta de um conjunto de especialidades que justifica a deslocação a Portugal dos clientes.


Há potencial. Tirar o máximo partido dele é a missão do Cluster Têxtil?

Quanto maior for a interação entre as empresas, mais competitivos seremos. A nossa missão é explorar o potencial instalado, elevando os graus de eficiência coletiva de um conjunto de atores que individualmente têm demonstrado o seu valor e a capacidade de ir mais além.


O individualismo dos nossos empresários é um obstáculo à vossa ação?

Tenho notado uma maior abertura à colaboração entre empresas. Acredito que o individualismo e a preocupação excessiva com pequenos segredos como a salvaguarda da carteira de clientes, já pertencem ao passado.


Não está a ser demasiado otimista?

Os empresários já compreenderam que só trabalhando em parceria conseguem resolver o conjunto de necessidades dos clientes. Um dos maiores atrativos da nossa indústria é a sua capacidade de oferecer boas condições às marcas para fazerem aqui toda a sua coleção – calçado e acessórios incluídos.

 

CLUSTER
"A EXISTÊNCIA DO CLUSTER É POR SI SÓ UM FANTÁSTICO FATOR DE COMPETITIVIDADE"
 

Especialização + parcerias é a receita?

É cada vez mais difícil uma empresa ter todas as especialidades. Numa indústria de muitas variedades como a nossa, em que a confeção que faz as calças não é a mesma que faz os casacos, quanto mais nos focarmos numa especialidade, mais eficientes e competitivos seremos. Quem quer fazer tudo corre o risco de não fazer nada bem…


Os compradores estão a voltar do Oriente, mas fazem uma grande pressão sobre os preços. Como se resolve isso?

A proximidade do Norte de África permite, no caso da confeção, deslocalizar operações que incorporem muita mão de obra não especializada. Mas o essencial da competitividade tem de assentar nos ganhos de eficiência, na inovação e aproveitamento das novas oportunidades.


Que oportunidades?

Fabricar novos produtos para novas aplicações. A ITV pode e deve ser muito mais do que roupa. Temos de nos inserir ainda mais noutras áreas, como por exemplo a mobilidade elétrica. Os automóveis têm de reduzir o peso e isso passa por substituir estruturas de metal por outras com base têxtil. Afinal o que é a fibra de carbono senão um têxtil em que é aplicada uma resina?

"Já é claro para todos que há empregabilidade e futuro na ITV"

 

Qual é o papel do Cluster Têxtil nesse agarrar de oportunidades?

Estamos a reunir empresas de diferentes subsetores, criando condições para que em conjunto inovem e façam produtos novos. Reunir num mesmo ambiente diversos know how e especialidades é meio caminho andado para a inovação.


Universidades e empresas ainda vivem de costas voltadas?

Não diria isso. Nos dias de hoje já vemos muitos exemplos de colaboração. Mas há espaço para melhorar e aumentar essa interação e trazer ainda mais a Universidade e centros tecnológicos para o meio empresarial, de maneira a converter boas ideias em bons produtos.


O sistema científico é fundamental para essa alquimia?

A investigação nas empresas é limitada, porque elas estão prisioneiras de um dia a dia intenso que muitas vezes não lhes deixa tempo para refletir. Daí a necessidade de consolidar essa aproximação e trazer cada vez mais entidades a essa convivência.


Não é demasiado frequente o erro de fazer produtos inovadores mas sem mercado?

Temos de ter uma atitude explorativa, de ter ideias fora da caixa e produzir coisas à frente no seu tempo. Mas nunca podemos perder de vista o mercado. Os recursos que a ITV tem ao seu dispor para investir em inovação são demasiado escassos para nos podermos dar ao luxo de os desperdiçar a inventar coisas sofisticadas, mas que não vendem.


Qual é a mecânica de funcionamento do Cluster Têxtil?

O cluster ainda está, e vai estar sempre, em construção. A dinamização operacional das ações está alojada no CITEVE, e é governado por um Grupo de Alto Nível, eleito pelos 58 membros fundadores. O verdadeiro motor do cluster é o conjunto de nove Grupos de Interesse Especial que já envolve mais de 150 profissionais. Estes grupos especializados trabalham a formulação de estratégias para o cluster, dinamizam a interação entre os membros e desenvolvem projetos. Muitos dos membros do cluster estão já envolvidos no maior projeto de I&D em desenvolvimento no setor: o projeto mobilizador TextBoost.


Uns pensam e outros executam?

Não é assim. A marca de água do Cluster Têxtil é reunir academia, indústria e centros tecnológicos na busca de novas soluções, a partir de diferentes visões e experiências. As mesmas empresas e instituições do sistema científico estão nos dois lados. Nos grupos temáticos a discutirem novas ideias. Nos projetos mobilizadores a concretizá-las.


Por dar um exemplo de área de um dos nove grupos temáticos…

O vestuário de Proteção Individual, que engloba segmentos específicos como o dos bombeiros e militares… Esta é uma das nove áreas que identificamos como estratégicas, onde existe espaço para inovar, outras são por exemplo a indústria 4.0, os Greentextiles ou os têxteis para o automóvel…


Que avaliação faz do trabalho até agora feito?

O Cluster Têxtil foi o que teve a maior taxa de aprovação dos projetos que apresentou para a concessão de apoios à sua concretização, devido ao efeito positivo que terão na nossa economia. Essa é a melhor avaliação que recebemos ao nosso trabalho.


Não há só empresas têxteis no Cluster Têxtil…

Não. Temos, empresas de setores correlacionados com a têxtil. Como já disse, o futuro da ITV passará cada vez mais por novas oportunidades noutros setores, umas mais distantes, outras mais próximas.


Como por exemplo…

O têxtil está por todo o lado – na construção civil, saúde, agro-pecuária, automóvel, aeronáutica… E essa presença será cada vez maior, em particular e no curto prazo, no mercado da mobilidade, que está a mudar e já não volta atrás.


Pôr toda a gente a interagir, vai implicar uma revolução na mentalidade dos empresários e na cultura do setor…

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. E os tempos são muito diferentes. A cultura muda, nem que seja por necessidade. Nenhuma empresa têxtil pode viver sozinha. E um fator poderoso que vai acelerar essas mudanças é o facto de que quem avança em cooperação vai lucrar com isso muito mais do que quem persistir no isolamento.


O exemplo vai ser um instrumento fundamental no esforço de evangelização?

O grande trunfo da nossa ITV é ter sido a única da Europa que sobreviveu à crise mantendo a massa crítica mínima para ser atrativa, mantendo uma oferta de especialidades suficientemente diversificada para satisfazer a multiplicidade da procura das marcas.


Como se tira partido dessa vantagem?

Quando um cliente nos visita, devemos mostrar-lhe não só a nossa empresa mas também divulgar a oferta complementar do setor. Aos clientes que compram tecidos na TMG nós recomendamos logo as confeções onde podem mandar fazer as calças, as camisas, os casacos, e artigos em malha.


A escassez de mão de obra especializada é um problema sério?

Ainda há uma grande concorrência quer por engenheiros (têxteis e outros), quer por boas costureiras ou tecelões experientes. Mas acredito que é um problema em vias de resolução, agora que já é claro para toda a gente que há empregabilidade e futuro na ITV.


A secretária de Estado Ana Lehmann disse que trabalhar na indústria é sexy. Os jovens têm essa perceção?

Para a generalidade dos jovens ainda é mais sedutor estar sentado na caixa de um supermercado do que numa fábrica à frente de uma máquina. Mas se no tempo do meu avô e do meu pai as condições de trabalho na indústria eram duríssimas e o que se pedia aos operários eram gestos repetitivos, hoje em dia já não é assim.


O que mudou?

O produção aligeirou-se e automatizou-se. Os trabalhadores têm de saber inglês para dialogarem com as máquinas – e espera-se que participem no processo de melhoria contínua.


Além da massa crítica, quais são as outras vantagens competitivas da nossa ITV?

A proximidade do consumidor tornou-se um fator crítico, em particular no vestuário. As marcas já perceberam que se querem os clientes nas lojas mais do que quatro vezes por ano – as duas coleções e os saldos – têm de estar sempre a apresentar novidades, o que é incompatível com um sourcing longínquo.


Somos bons em flexibilidade e capacidade de resposta?

Soubemos ajustar-nos à necessidade de colocação agressiva de produtos novos nas lojas. Ganhamos capacidade de reação e um lead time cada vez mais curto. Adaptamo-nos à tendência dominante, em que os clientes não se importam de pagar mais para fugir às encomendas de contentores, para diminuírem o risco dos monos e atenuarem os custos de imobilização.


Tecnologicamente estamos mais avançados do que a concorrência?

A Turquia e a China têm uma capacidade tecnológica tão boa ou melhor que a nossa. A nossa vantagem sobre a China é a proximidade. E temos beneficiado da instabilidade política e de segurança na Turquia e outros países.


A imagem do país no estrangeiro tem melhorado?

E muito! Os clientes olham para Portugal como um país calmo e pacífico, com um excelente clima, habitado por gente simpática e evoluída, com uma boa capacidade industrial.


Mas com um mercado interno muito pequeno…

O que faz com que seja muito difícil lançar marcas portuguesas. Admiro muito quem o tenha conseguido, como a Salsa e a Tiffosi. Se tivesse nascido na Alemanha, a Salsa seria hoje uma marca de referência no mercado global. Mas ser um mercado pequeno também tem as suas vantagens.


Está otimista quanto ao futuro?

Mas não excessivamente. Estamos a beneficiar de uma conjuntura favorável. Não podemos pensar que agora é sempre a subir. Basta a Turquia resolver as suas questões internas e passamos a ter um concorrente de peso. Temos de estar preparados para enfrentar mais contrariedades e voltar a reinventar-nos.


Como?

Para que os compradores estabeleçam duradouramente em Portugal a sua base de fornecimento é indispensável que as empresas sejam inteligentes e não se isolem em demasia. Juntos valemos muito mais que individualmente.

 

PERFIL

Manuel Gonçalves, 44 anos, nasceu em Requião, Famalicão, mas com cinco anos mudou-se para Vila do Conde, onde ainda vive com a mulher (licenciada em Direito e responsável pela gestão da marca Lightning Bolt e pela Marca de desporto EmWey) e os dois filhos: António, 14 anos (que nas férias de verão já esteve na TMG a dar uma ajuda no marketing online), e Mariana, dez. Completou a primária (iniciada em Vila do Conde) e fez todo o secundário no Porto, no Colégio dos Cedros, após o que se licenciou em Gestão de Marketing, na Universidade Fernando Pessoa. O primeiro emprego foi no Millennium BCP

A intenção inicial era estar apenas dois anos no BCP, um tirocínio considerado indispensável antes de ir trabalhar para a empresa fundada pelo avô e gerida pelo pai. Acabou por se demorar sete anos no banco. “Foi uma experiência muito enriquecedora”, diz, resumindo numa frase talvez demasiado modesta um trajeto variado, com escalas na área comercial, análise de crédito, mercado de capitais (CISF) e o gabinete da presidência (Jorge Jardim Gonçalves) – e que contemplou ainda dois anos a trabalhar na Wall Street, em Nova Iorque, onde estava quando dos atentados do 11 de Setembro, pelo que viveu o luto da cidade. Em 2004, ingressou na TMG, onde aprendeu a sobreviver no meio da tempestade da crise.  “O segredo? Centrar o negócio em produtos nos quais podemos acrescentar valor e reduzir a vulnerabilidade ao fator preço!”

Fonte: Jornal T

Read With Google Translate

Share & print